Os Amigosd'Avenida, um projecto colectivo de reflexão sobre o futuro da cidade de Aveiro.
Leia no suplemento Ípsilon do Público de hoje (30/5) um artigo sobre Cidades Criativas da autoria do jornalista Vítor Belanciano: http://jornal.publico.clix.pt/
Entrevista a Phil Wood, mentor das 'creative cities'
Diário de Notícias (Artes) 9 Abril 08
O que precisa de ter uma cidade para merecer ser cidade criativa? Merecer?
Nunca tinha posto assim a questão. Mas, estando as indústrias criativas a ser divulgadas como fontes de novos negócios ligados à criatividade, todos julgam ter direito a uma fatia dessa tarte. E, na verdade, não têm. É preciso ganhá-lo.
Como?
Quando surge uma nova indústria, toda a gente pensa: "Temos de estar lá e investir massivamente em infra-estruturas, para que companhias de top venham para cá." É como nos clubes de futebol. Imagine que alguém comprava o FC Porto, ia buscar um treinador e lhe dizia: "Traga os 11 melhores jogadores do mundo, não há restrições de verba. Com eles seremos imbatíveis." Nós sabemos, até pelo exemplo recente do Chelsea, que isso nem no futebol acontece. Se resultar é num curto período de tempo, mas acaba. São gigantes com pés de barro.
Ou seja, é preciso formação.
Claro, precisas de fundações. Criatividade não se compra nas lojas.
O que é criatividade?
É ser-se capaz de pensar para além de si mesmo, das suas paredes.
O que divide a criatividade das indústrias criativas da das outras? Podemos dizer que criativas são todas. De facto, há gente criativa em todas as áreas. O meu argumento é que as indústrias criativas combinam a criatividade com a cultura, num sentido profundo. Serralves, por exemplo, é cultural num sentido muito óbvio; quando falo de cultura, falo da cultura do sítio e das pessoas, ao longo do tempo. A do Porto é também Serralves, mas é muito mais: a identidade das pessoas, os clubes de futebol, os gestos, as piadas, por aí fora...
Pensar global e agir local, é isso?
Pensar holisticamente. Muita gente pergunta: "O que é a Comedia? O que são vocês? Arquitectos, economistas, artistas, técnicos de planeamento?" Nada disso. Não somos especialistas em nada, mas pensamos ter uma certa aptidão para identificar os fossos e ver as conexões entre todas estas profissões especializadas.
Na relação entre uma indústria criativa e outra, vocês são o "e"...
É mais complexo. Em Inglaterra, as indústrias criativas abrangem treze sectores: música, fotografia, etc. Outros países terão visões distintas. As cidades criativas incluem as indústrias criativas, mas também o planeamento urbanístico, o desenho das ruas, a criatividade individual e todos os aspectos da cidade.
Que ganha o Porto com o cluster?
Eu tenho várias informações da cidade, mas acabo de chegar. O Porto tem uma localização fantástica e há uma energia criativa que se sente. A Casa da Música pô-lo no mapa, talvez não com o efeito do Guggenheim de Bilbao, mas semelhante. E tem problemas que saltam à vista, como a perda de população no centro histórico, cheio de prédios lindos a apodrecer, sem gente. Há gente das artes, da cultura, das universidades, que se queixa de não poder arrendar propriedade na cidade velha por ser caríssima.
Isso leva-nos à política.
Sim, mas à política nacional. É qualquer coisa que o Porto sozinho não pode resolver. É preciso mudar a lei. Mas, ao mesmo tempo, tem de se agir cautelosamente, porque mudar a lei de hoje para amanhã acarreta o perigo de o centro do Porto se abrir a especuladores imobiliários que trabalham só para grandes lucros. O desenvolvimento da propriedade deve ocorrer de forma orgânica. Confesso que nunca estive num sítio assim, mas também nunca estive num País com esta legislação sobre rendas.
A cidade velha é um fantasma, só que, neste País, aos olhos do poder, a criatividade é outro. Pouco ou nada se aposta nela.
Eu não poria esse peso todo sobre os vossos ombros. Liverpool não reconheceu o que tinha nos Beatles antes de eles se mudarem para Londres. A autarquia, nos anos 60, deitou abaixo alguns dos edifícios associados aos Beatles - e é óbvio que, desde meados de 80, Liverpool vive da fama de ser a terra deles. E há outros exemplos. Muitas cidades não conseguem ver a criatividade debaixo do seu nariz.
Por outro lado, paradoxalmente, isso estimula a criatividade.
Sim, sim. Eu venho de uma parte de Inglaterra que não é Londres, fica a norte, mais perto de Manchester. E Inglaterra, como Portugal, é um país muito centralizado. Londres domina o poder político e económico, no mesmo sentido que Lisboa o faz. Por isso, eu percebo a mentalidade de segunda cidade, o sentimento de que se está de fora, afastado do poder. Muitas vezes esse ressentimento pode ter reflexos negativos, mas também pode ser terreno fértil para a criatividade. Talvez radique aí a tradição de o melhor rock inglês não vir da capital.
Que papel têm as indústrias criativas na economia global?
Devemos dar-lhes um papel ou esperar só que sejam criativas e façam dinheiro? Devem ter uma responsabilidade cívica? Somos todos cidadãos, todos fazemos a nossa comunidade, de diferentes maneiras, segundo as nossas aptidões. Ninguém se deverá pôr de fora dessa vida cívica. Todos têm algo a dar e algo a receber. Mas, quando olhas particularmente para as companhias pequenas, onde se encontram muitas indústrias criativas, é difícil dizer-lhes: têm de ser responsáveis pela vossa cidade. A primeira responsabilidade que eles sentem é tornar o negócio deles viável. |